quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Vampirismo - Sedutora Mordida

Duas obras publicadas em 1847 exerceram notável influência sobre Stoker: Varney, o Vampiro, ou O Banquete Sangrento de Thomas Presket Prest, cujo protagonista é um precursor do Conde Drácula; e Carmilla, do irlandês Sheridan Le Fanu (1814-1873), romance gótico dotado de leveza e sensualidade, que expõe o lesbianismo da jovem Laura, que se deixa seduzir por Carmilla, uma vampira. Também O Vampiro (1819), traria elementos a Stoker. A obra, publicada pelo médico John Polidori, precipitou o fim de sua amizade com Lord Byron, que se disse traído, alegando que a trama baseava-se em idéias que eram suas.

O novelista visitou ainda as prisões inglesas e entrevistou autênticos bebedores de sangue, ligados a seitas satanistas e que, curiosamente por essa época, acabavam de ser detidos. Estes alegavam precisar de sangue para sobreviver. Famoso também é o caso do francês Henri Blot, processado em 1886 por violação de sepulturas e necrofilia.

Preso aos 26 anos, Blot era um rapaz magro e melancólico, com profundas olheiras e pele citrina, cuja fisionomia recordava as aves noturnas. Em 25 de março violara o cadáver da bailarina Fernanda Méry, morta aos 18 anos, na noite seguinte ao dia do enterro. Ao repetir o feito em 12 de junho, após copular com outra jovem recém-falecida e beber seu sangue, dormiu ao lado do cadáver, sendo preso na aurora, ainda no cemitério. Cumpriu dois anos de cadeia por isso. Interrogado pelo juiz, defendeu-se gritando feito louco: "Que querem que eu faça? Não me compreendem? Preciso de sangue e há gostos para tudo."

Caso célebre semelhante é o do inglês John Haigh (1909-1949), condenado à forca, que se encontra classificado no Museu de Cera de Madame Tussaud, em Amsterdã, como "o vampiro de Londres". Entre 1944 e 1949, Haigh assassinou com premeditado requinte várias pessoas para delas sorver seu sangue. Primeiramente, atraía as vítimas para suas armadilhas; consumado o crime, desintegrava depois os cadáveres em ácido sulfúrico. Nos tribunais revelou que desde jovem mutilava os dedos da mão para sugar o próprio sangue, e que certa vez mordera os lábios de uma namorada só para experimentar sua ferida.

Mais recentemente, em 1991, a justiça australiana de Brisbane condenou Tracey Wigginton, de 25 anos, à prisão perpétua, acusada de participar ao lado de outras três amigas de um ritual satânico no qual ela assassinou Edward baldock, de 47 anos, para que todos bebessem seu sangue. No Brasil, em maio do mesmo ano, o lavrador Roberto Carlos de Lima, 27 anos, foi preso em Anápolis (GO) após morder o pescoço de Vanda Lima, sua esposa, "para beber seu sangue". Antes de ser detido, Lima tentou morder o pescoço de várias pessoas em seu bairro, e defendeu-se explicando que "incorpora espíritos malignos que o transformam em vampiro".

O geneticista bioquímico Dr. David H. Dolphin, da Universidade de British Columbia, de Vancouver, foi um dos primeiros a propor uma explicação científica para o vampirismo. Em maio de 1985 apresentou sua tese à Sociedade Americana para o Desenvolvimento da Ciência, revelando ter encontrado nas florestas da Europa medieval a origem dos ritos de "transfusão" de sangue, nos quais seus praticantes, em sua maioria, diz ele, sofriam de um raro tipo de anemia conhecido por protoporfiria eritropoiética.

A doença é determinada por uma disfunção metabólica do grupamento heme da molécula de hemoglobina, parte dela responsável pelo carreamento do ferro pelo sangue. Os acometidos pelo mal, devido à anemia, apresentam pele pálida bastante sensível ao sol, também fotofobia, fatores esses que os levam a assumir hábitos noturnos. Ocorre ainda atrofia das gengivas que, por contraste, ressalta o tamanho dos dentes, e a chamada pagofagia, ou perversão do apetite, sintoma comum entre os anêmicos, que passam a se interessar por comer terra, barro, pó de café, chupar gelo etc... Muitos podem mesmo sentir prazer em beber sangue, posto que por meio dessa "transfusão natural" aliviam seu mal-estar. Ademais, a doença acomete mais aos alcóolatras; e posso concordar, some-se a isso tudo uma perversão de caráter, um distúrbio de personalidade, ou mesmo um surto psicótico, e tais indivíduos poderiam mesmo atacar suas vítimas para mordê-las ou chupar seu sangue.

A propósito, a norte-americana Cayne Presley, moradora de El Paso, em agosto de 1996, aos 38 anos de idade, admitiu ser vampira desde os nove. "Não mato ninguém", diz ela, "nossa espécie de 8 mil viciados em sangue, comunica-se pela Internet, e teríamos má reputação se saíssemos por aí matando; seria estupidez matar nossa fonte de alimento". Cayne trabalha à noite como segurança e diz ter muitos amigos que a compreendem, que se deixam picar nos dedos e nas veias para que ela sugue o precioso fluido. Às vezes, propõe trocar sexo por sangue, diz consumir meio litro ao dia, e complementa sua dieta com sangue de vaca sempre que a oferta é insuficiente.

Metaforicamente, é possível identificar o vampirismo em muitas das relações humanas sob a forma do que bem poderíamos chamar de "parasitismo psíquico"; afinal, quem não conhece aquele tipo de pessoa que, conscientemente ou não, parece nos sugar a seiva anímica; que de nós exige esforços e atenção tão obsessivamente marcados a ponto de exaurir nossa energia? O leitor que aprenda a se cuidar! Às vezes é preciso, dentro dessa mesma alegoria, enrolar réstias de alho no pescoço e ter força o bastante para saber dizer sonoro não a quem tanto solicita. A propósito, a solidariedade só é justa quando, por causa dela, não comprometemos as reais necessidades de nosso original caminho.

Mas nem tudo são trevas no mundo vampiresco. O mito mantém-se vivo e se renova através das artes; o cinema, o teatro, a música e a literatura exploram as nuances dessa maldição que se perpetua por suas tantas sutilezas. Afinal, por que nos seduz tanto o vampiro? Ora, ele encarna a possibilidade que não temos; ainda que fadado a vagar nas sombras, sua mordida é um convite para a imortalidade. Bem sabemos ser a morte nossa única certeza; e a angústia disso decorrente nos perturba a existência. Mas o vampiro também sofre a condição de morto-vivo atormentado, e só sobrevive nas trevas à custa do sangue de suas vítimas. Aceitar estar com ele pelo simples desejo de alcançar a vida eterna é temerário, apenas experimentaríamos o outro lado de nossa frágil condição existencial. Essa estranha relação vampiro/vítima só se resolve na perfeita simbiose, desde que o vampiro possua alma nobre e respeite sua vítima. A propósito, o verdadeiro vampiro só entra em nossas casas (almas) quando convidado a fazê-lo. Se, por um lado, o vampiro nos oferece uma saída para o drama da angústia vital, por sua vez precisa redimir-se de sua maldição, e só poderá resolvê-la se contar com a total ajuda e entrega de sua vítima. Traduzindo, sua salvação reside na esperança de ser compreendido e de receber o amor de que tanto carece. Sejamos bem claros: o vampiro é a versão gótica e adulta da história A Bela e a Fera.

Mas, para que minha consciência continue vivendo em paz, não poderia encerrar esse artigo sem cumprir minha promessa feita a um de meus antepassados, poeta e vampiro que, em troca desse seu capricho, concedeu-me entrevistas (eles adoram ser entrevistados) para que eu escrevesse esse texto. Conforme me pediu, encerro a matéria com seus versos decassílabos heróicos de um soneto escrito à moda gótica, Sedutora Mordida:

Na escura noite exalto-me à procura
Da essência em mim vertida em palidez
Percorro extensas sombras de amargura
Mesclando minha vida à morbidez.

Quero sorver, sugar de uma só vez
O sangue do pescoço da ternura
Romper com os ditames da censura
E expor a minha pele à tua tez.

Procuro uma abertura em tua janela;
Permite ser a vítima escolhida...
Pretendo penetrar por dentro dela,

Tão suave quanto a brisa que respiro;
Sutil como o mistério morte-vida,
Desejo ser pra sempre o teu Vampiro !

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